por Luann Kenji Assakawa e Mateus Yabe
Todo mundo já ouviu falar pelo menos uma vez sobre algum desses assuntos: trabalho voluntário, assistencialismo, caridade, filantropia, etc. Mesmo que a diferença entre eles não seja clara para todas as pessoas, muitos associam o tema geral à “ajudar alguém que precisa”. Mas por que algumas pessoas precisam desse auxílio? E o que isso tem a ver com cidadania?
A cidadania, introduzida ao mundo pelos gregos, denota a primeira relação entre o indivíduo e sociedade, a qual todas as decisões que afetariam a comunidade deveriam ser tomadas de forma deliberativa e coletiva. Na contemporaneidade, com o desenvolvimento dos direitos civis, ratificado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, esse conceito floresce, prometendo ao cidadão a igualdade legal, o direito à vida, à liberdade e à propriedade - e, em última análise, o que se conhece por "direitos e deveres".
No Brasil, contudo, essas promessas se mostram inatingíveis, com 13,5 milhões vivendo na extrema pobreza, e, graças aos efeitos da pandemia do Covid-19, espera-se que mais de 5,4 milhões de brasileiros se juntem à essa situação - segundo estimativas do Banco Mundial. Assim, o direito à um salário digno, à educação, à saúde, entre outros direitos sociais, que têm sua garantia prometida pelo Estado, tornam-se extremamente remotos à realidade brasileira.
Mas nem tudo depende, e pode depender do Estado, dada sua ineficácia em cumprir com seus deveres supracitados. O conceito de cidadania vai além: ser cidadão significa tomar parte da vida em sociedade, ter uma atuação ativa contra os problemas da comunidade.
É nesse cenário que as organizações da sociedade civil - como as ONGs - atuam, buscando retaliar os efeitos de um desenvolvimento nacional tão não equânime e de um governo que despercebe a gravidade desses problemas. O indivíduo, em um ato de solidariedade, tem seu impacto canalizado por essas instituições, que servem como ferramenta de meio na promoção de cidadania aos que dela são privados.
Culturalmente, o país marginaliza a importância da ação voluntária e individual no combate aos problemas socioambientais. Segundo a Pesquisa Doação Brasil, 66% dos entrevistados acredita que o Estado é o maior responsável pela solução desses problemas; frente à 1% que acredita no papel de instituições sociais ou ONGs. Ao atribuir esse ônus ao governo, negligencia-se o impacto da caridade, da filantropia, da doação e do voluntariado como agentes no embate às problemáticas sociais. Em consonância, segundo o censo do IBGE, em 2007, o Terceiro Setor representou cerca de 1,4% do Produto Interno Bruto brasileiro, 32 bilhões de reais, evidenciando uma elevada contribuição social, acompanhada de uma contribuição econômica crescente ao país.
Ao que dados indicam, a doação - tanto de recursos e bens, como de tempo e a ajuda à um estranho - no Brasil, é limitada, e, segundo os dialogados da mesma pesquisa, sua limitação se dá pela renda. Apesar de se verificar uma correlação forte entre a renda disponível e a doação em dinheiro à alguma instituição, o mesmo não se verifica entre a renda e o trabalho voluntário e a ajuda a um estranho em necessidade - segundo o Índice Global de Solidariedade, da Charities Aid Foundation.
Nesse mesmo índice, o Brasil ranqueia em 122º dos 144 países avaliados, ficando atrás de países consideravelmente mais pobres, como o Quênia (8º) e a Líbia (28º). Esse contraste na caridade, dada a exemplificação, não pode se dar exclusivamente pelos fatores econômicos; revela-se aqui, um grande potencial filantrópico, caridoso e doador no brasileiro, a ser explorado, sem submeter-se à falsa premissa de que a renda seria o único fator substancial no ato solidário.
As pessoas talvez ainda não tenham notado a dimensão do impacto e da importância de suas ações como doadores, voluntários, cidadãos; mas é isso que tem garantido subsistência e auxílio à muitas pessoas que se encontram à margem do Estado e do desenvolvimento econômico. Esse ponto se clareia em cenários como o atual: enquanto o auxílio emergencial não chega em muitas casas, atitudes solidárias e entidades do Terceiro Setor se destacam no combate nas linhas de frente - onde o poder público tampouco chega - sustentando uma dignidade mínima aos seus principais afetados.
Por fim, com o quadro esperado ao término da pandemia, de agravamento das disparidades socioeconômicas, bem como um Estado que se faz cada vez menos presente, cabe a nós, num ato de cidadania, expandi-la aos que foram excluídos desses direitos fundamentais, atualmente restritos à uma pequena parcela da população.
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